Saturday, September 17, 2011
ANTONIO CALLADO (1917-1997)
VIDA: Antonio Carlos Callado nasceu em Niterói, sendo filho de uma família de alta classe média. Seu pai, que era médico, sofria de tuberculose pulmonar e mudou-se com a família para Petrópolis, em busca de um clima mais saudável, mas veio a falecer em 1928, fato que obrigou Callado a trabalhar desde cedo como jornalista. Mesmo assim, o futuro romancista continuou seus estudos, formando-se em Direito alguns anos depois. Sua carreira profissional, no entanto, deu-se na imprensa: passou de repórter a redator-chefe do extinto Correio da Manhã. Em 1941 foi para Londres e lá exerceu a função de correspondente de guerra da BBC, emissora na qual permaneceu por vários anos. Em 1947, retornou ao Brasil e à redação do Correio da Manhã. Viajou por muitos lugares, entre os quais o Nordeste, o Xingu, Cuba, o Vietnã, sempre produzindo reportagens de grande repercussão. Contudo, seus primeiros romances, publicados na década de 1950, não tiveram o mesmo êxito. O sucesso literário veio apenas com Quarup, que se constituiu num acontecimento político, quando de seu lançamento, em 1967. Apesar de seus hábitos quase aristocráticos e tímidos, Antônio Callado tornou-se uma estrela da esquerda intelectual brasileira, sendo várias preso durante a ditadura. Faleceu no Rio de Janeiro, aos oitenta anos.
OBRAS PRINCIPAIS: Assunção de Salviano (1954); A Madona de cedro (1957); Quarup (1967); Bar Don Juan (1971); Reflexos do baile (1976); Sempreviva (1981); A expedição Montaigne (1982).
Escritor que sempre transitou do jornalismo para a literatura, e vice-versa, Antonio Callado procurou em suas obras mais importantes, aproveitar o material que sua vasta experiência como repórter lhe fornecera. Após lançar dois romances de qualidade apenas regular (Assunção de Salviano e A Madona de cedro), surpreendeu os meios literários com a publicação de Quarup, em 1967. O clima da época (polarização política, enfrentamento entre setores da sociedade civil e o regime autoritário), garantiu à obra de Callado extraordinária ressonância.
O enredo do romance centra-se na figura do padre Nando, que vive num mosteiro, no
Recife, e alimenta a idéia de criar com os índios, na floresta amazônica, uma sociedade utópica (no modelo das reduções jesuíticas do século XVIII). Não se atreve, porém, a viajar rumo ao coração do Brasil, pois teme não resistir ao espetáculo da nudez das índias e pecar contra a castidade. Mas uma amiga inglesa, resolve o problema de Nando, iniciando-o sexualmente.
Pronto para ir ao Xingu, Nando passa uma temporada no Rio de Janeiro, onde entra em contato com integrantes do Serviço de Proteção ao Índio (hoje FUNAI). Ali amplia suas experiências sexuais e participa de sessões em que as pessoas (inclusive ele) se drogam com lança-perfume. Finalmente, a expedição parte para o Xingu. Outros personagens adquirem relevo na narrativa: Ramiro, um dos chefes do SPI, sua sobrinha e secretária, Vanda, a jovem Sônia, que todos os homens desejam fisicamente e que acaba fugindo com um índio, o sertanista Fontoura, etc.
No capítulo seguinte do romance – passado alguns anos – todos retornam ao Xingu (menos Sônia), querem demarcar o centro geográfico do Brasil. A nova participante é a jovem Francisca, recém-chegada da Europa e cujo noivo Levindo fora morto pela polícia por razões políticas. Nando se apaixona por ela e os dois se relacionam sexualmente dentro da floresta. Neste capítulo ocorrem as cenas mais dramáticas do romance, como a destruição coletiva de um tribo, atingida pelas doenças trazidas pelos brancos (os índios se “dissolvem” em terríveis diarréias), e a morte do sertanista Fontoura, bêbado, o rosto sobre um gigantesco formigueiro, bem no centro geográfico do Brasil, como se as formigas corroessem o coração do país.
Depois disso, Nando abandona a batina e retorna a Pernambuco com Francisca que vai trabalhar na alfabetização de camponeses. Ocorre então golpe de 1964 e Nando é preso. Quando o soltam, Francisca havia retornado para a Europa. O ex-padre dedica-se então a uma pitoresca vida de “apóstolo do amor”, relacionando-se com inúmeras mulheres e ensinado sua (agora refinada) técnica sexual a pescadores e a gente do povo. No final do romance, Nando decide partir para o sertão, a fim de integrar um movimento guerrilheiro de oposição à ditadura, adotando o codinome de Levindo, o antigo noivo de Francisca.
O QUE OBSERVAR
-No romance estão todos os assuntos que então dominavam o debate político e existencial: a mudança de perspectiva da Igreja a respeito da questão social, as luta dos estudantes e das Ligas Camponesas, as razões do golpe de 1964, a revolução sexual, o feminismo, a proteção aos índios, a guerrilha, as drogas, etc.
-O quadro histórico – traçado com bastante nitidez – tem peso direto no desenvolvimento da narrativa, abrangendo acontecimentos que transcorrem do governo democrático de Getúlio Vargas ao ditatorial de Castelo Branco. O escritor parece alimentar a idéia de fazer de Quarup uma suma da sociedade brasileira nas décadas de 1950 e 1960, na linha dos romances totalizantes do realismo europeu do século XIX.
- O resultado do ambicioso projeto de Antônio Callado, todavia, é problemático. Há no romance um tal acúmulo de ações, muitas das quais inúteis ou inverossímeis, uma tal profusão de caracteres mal trabalhados, a começar pela própria psicologia do padre Nando – que passa da castidade ao furor orgíaco com a maior naturalidade e sem nenhum drama interior – que a impressão final do leitor é de perplexidade. Como numa montanha-russa, Quarup alterna vertiginosamente altos e baixos, acertos esplêndidos (algumas cenas eróticas, as passagens em que os brancos representam o apocalipse para os indígenas e a construção dramática do impasse do sertanista Fontoura ao se dar conta que “contatar” os índios era necessariamente destruí-los), e passagens menores, quase ridículas (Nando assumindo a condição de professor de sexo, a cosmopolita Sônia fugindo da civilização e embrenhando-se nos confins da floresta com um índio, etc).
- Outro aspecto questionável em Quarup é a tentativa do autor de mesclar um estilo real-naturalista com freqüentes monólogos interiores e certos delírios verbais que hoje parecem gratuitos. O resultado desta mistura nem sempre é literariamente equilibrado e convincente.
- Um elemento positivo do romance e que funciona como representação artisticamente fiel da realidade é a “desalienação”(Ferreira Gullar) de Nando, que deixa de sonhar com uma utopia indianista e passa a lutar pelos desvalidos nordestinos. Este processo traduz claramente as mudanças que se verificam na Igreja, na década de 1960, com a crescente politização de seus sacerdotes.
- A proposição melhor realizada do romance é a identificação do centro do país não apenas como metáfora da plena integração nacional, mas também da descoberta de um sentido de vida para cada personagem que participa da expedição ao Xingu. Estabelece-se, assim, uma ligação umbelical entre as existências individuais e o destino do Brasil. Por isso, a morte do sertanista Fontoura com o rosto enfiado dentro do grande formigueiro, onde ficará o marco do centro do país, é a derrocada simbólica de um sonho de unidade e de desenvolvimento da nação e um augúrio pessimista a respeito dos acontecimentos que, na década seguinte (1960), traumatizariam os brasileiros.
* Quarup é o ritual indígena de celebração dos mortos. Mas, ao invés de lamentações, os índios realizam uma grande festa em homenagem aos que partiram (bebida, comida, alegria), pois neste dia eles revivem. Trata-se, portanto, de um ritual de renascimento.
REFLEXOS DO BAILE
A crise geral dos anos de 1970 parece tornar inviável a formulação neo-realista, predominantes nos romances anteriores de Antonio Callado, e encontra sua tradução no caótico Reflexos do baile (1976). O autor tenta compor um mosaico de época, centrando sua narrativa no seqüestro de um embaixador durante um baile de gala. Guerrilheiros, diplomatas, familiares de ambos os grupos e policiais misturam-se e se revelam parcialmente através de falas alternadas, bilhetes e cartas, criando uma fragmentação de tal ordem que o entendimento do enredo só se torna possível no final da obra. À confusão formal soma-se uma visão de mundo igualmente estilhaçada e nebulosa, fazendo com que o romance não tenha um eixo que lhe dê equilíbrio, tornando-se bastante confuso.
As demais obras ficcionais de Antonio Callado, produzidas nas décadas de 70 e 80 não acrescentaram nada de fundamental à sua carreira.
De Literatura brasileira
Imagen 1: Retrato de Antonio Callado
Imagen 2: portada de Quarup
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