VINICIUS DE MORAES
Se fosses louca
por mim, ah eu dava pantana, eu corria na praça, eu te chamava para ver o
afogado. Se fosses louca por mim, eu nem sei, eu subia na pedra mais alta,
altivo e parado, vendo o mundo pousado a meus pés. Oh, por que não me dizes,
morena, que és louca varrida por mim? Eu te conto um segredo, te levo à boate,
eu dou vodca pra você beber! Teu amor é tão grande, parece um luar, mas lhe
falta a loucura do meu. Olhos doces os teus, com esse olhar de você, mas por
que tão distante de mim? Lindos braços e um colo macio, mas por que tão
ausentes dos meus? Ah, se fosses louca por mim, eu comprava pipoca, saía
correndo, de repente me punha a cantar. Dançaria convosco, senhora, um bailado
nervoso e sutil. Se fosses louca por mim, eu me batia em duelo sorrindo, caía a
fundo num golpe mortal. Estudava contigo o mistério dos astros, a geometria dos
pássaros, declamando poemas assim: “Se eu morresse amanhã… Se fosses louca por
mim…”. Se você fosse louca por mim, ô maninha, a gente ia ao mercado, ao nascer
da manhã, ia ver o avião levantar. Tanta coisa eu fazia, ó delícia, se fosses louca
por mim! Olha aqui, por exemplo, eu pegava e comprava um lindo peignoir pra
você. Te tirava da fila, te abrigava em chinchila, dava até um gasô pra você.
Diz por que, meu anjinho, por que tu não és louca-louca por mim? Ai, meu Deus,
como é triste viver nesta dura incerteza cruel! Perco a fome, não vou ao
cinema, só de achar que não és louca por mim. (E no entanto direi num aparte
que até gostas bastante de mim…) Mas não sei, eu queria sentir teu olhar
fulgurar contra o meu. Mas não sei, eu queria te ver uma escrava morena de mim.
Vamos ser, meu amor, vamos ser um do outro de um modo total? Vamos nós, meu
carinho, viver num barraco, e um luar, um coqueiro e um violão? Vamos brincar
no Carnaval, hein, neguinha, vamos andar atrás do batalhão? Vamos, amor, fazer
miséria, espetar uma conta no bar? Você quer que eu provoque uma briga pra você
torcer muito por mim? Vamos subir no elevador, hein, doçura, nós dois juntos
subindo, que bom! Vamos entrar numa casa de pasto, beber pinga e cerveja e
xingar? Vamos, neguinha, vamos na praia passear? Vamos ver o dirigível, que é o
assombro nacional? Vamos, maninha, vamos, na rua do Tampico, onde o pai matou a
filha, ô maninha, com a tampa do maçarico? Vamos, maninha, vamos morar em
Jurujuba, andar de barco a vela, ô maninha, comer camarão graúdo? Vem cá, meu
bem, vem cá, meu bem, vem cá, vem cá, vem cá, se não vens bem depressinha, meu
bem, vou contar para o seu pai. Ah, minha flor, que linda, a embriaguez do
amor, dá um frio pela espinha, prenda minha, e em seguida dá calor. És tão
linda, menina, se te chamasses Marina, eu te levava no banho de mar. És tão
doce, beleza, se te chamasses Teresa, eu teria certeza, meu bem. Mas não tenho
certeza de nada, ó desgraça, ó ruína, ó Tupá! Tu sabias que em ti tem taiti,
linda ilha do amor e do adeus? tem mandinga, tem mascate, pão-de-açúcar com
café, tem chimborazo, kamtchaka, tabor, popocatepel? tem juras, tem jetaturas e
até danúbios azuis, tem igapós, jamundás, içás, tapajós, purus! — tens, tens,
tens, ah se tens! tens, tens, tens, ah se tens! Meu amor, meu amor, meu amor,
que carinho tão bom por você, quantos beijos alados fugindo, quanto sangue no
meu coração! Ah, se fosses louca por mim, eu me estirava na areia, ficava
mirando as estrelas. Se fosses louca por mim, eu saía correndo de súbito, entre
o pasmo da turba inconsútil. Eu dizia: Ai de mim! eu dizia: Woe is me! eu
dizia: hélas! pra você… Tanta coisa eu diria, que não há poesia de longe capaz
de exprimir. Eu inventava linguagem, só falando bobagem, só fazia bobagem, meu
bem. Ó fatal pentagrama, ó lomas valentinas, ó tetrarca, ó sevícia, ó letargo!
Mas não há nada a fazer, meu destino é sofrer: e seria tão bom não sofrer.
Porque toda a alegria tua e minha seria, se você fosse louca por mim. Mas você
não é louca por mim… Mas você não é louca por mim… Mas você não é louca
por mim…
– Vinicius de
Moraes, no livro “Para uma menina com uma flor”. São Paulo: Companhia das
Letras, 1966
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De REVISTA PROSA
VERSO E ARTE
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