Vladimir
Maiakóvski era obcecado com o futuro, e não só por fazer parte dos futuristas
russos. Os futuristas eram poetas anárquicos, irreverentes, meio plebeus, que
usavam linguagem das ruas, e se contrapunham ao simbolismo russo, feito de
poetas intelectualizados, sofisticados, um tanto elitistas. O futurismo era uma
coisa meio hip-hop para a época – a Rússia dos anos 1920.
O maior poema de
Maiakóvski nunca foi (penso eu) inteiramente traduzido em português. Seu título
russo é “Pro eto” – nas variadas traduções, “Sobre isto”, “A respeito disto”,
“About that”, etc. É um poema-livro em várias partes. A última parte, chamada “O
Amor”, foi traduzida para o português por Ney Costa Santos, musicada por
Caetano Veloso, e gravada por Gal Costa sob o título “O amor – sobre o poema de
Vladimir Maiakóvski”, em seu álbum Fantasia, de 1981.
Neste trecho do
poema, Maiakóvski se dirige aos cientistas do século XXX, porque prevê que sua
amada será ressuscitada por eles no futuro: “Talvez quem sabe um dia / por uma
alameda do zoológico / ela também chegará / ela que também amava os animais /
entrará sorridente assim como está / na foto sobre a mesa / ela é tão bonita /
que na certa / eles a resssuscitarão”.
Maiakóvski tinha
duas idéias fixas: a do suicídio e a da ressurreição. Como se ele confiasse
tanto no futuro que dissesse a si mesmo que podia meter uma bala na cabeça toda
vez que tivesse uma desilusão amorosa: a Ciência o traria de volta. Ele diz: “O
século trinta vencerá / o coração destroçado já / pelas mesquinharias / agora
vamos alcançar / tudo o que não podemos amar na vida / com o estrelar das
noites inumeráveis”.
Até aqui, a canção
de Caetano tem uma melodia discreta, intimista. Mas quando começa o refrão, a
música começa a galgar patamares sucessivos de modulação, de subida de tom, de
um grito que parece querer alcançar cada vez mais longe, mais perto do século
trinta: “Ressuscita-me! / Ainda que mais não seja / porque sou poeta / e
ansiava o futuro. / Ressuscita-me! / Lutando contra as misérias / do cotidiano,
/ ressuscita-me por isso. / Ressuscita-me! / Quero acabar de viver o que me
cabe / minha vida / para que não mais existam / amores servis...”
Como diz Fernando
Peixoto, é “um poema sobre um amor trágico e desesperado... num clima quase
permanente de alta tensão”. Maiakóvski não pensa em renascer por um milagre.
Dizem que ele acreditava sinceramente que no futuro seria possível ressuscitar
alguém. Para quê? O poema finaliza: “Ressuscita-me / para que a partir de hoje
/ a família se transforme / e o pai seja pelo menos o Universo / e a mãe seja
no mínimo a Terra”. O que ecoa, invertidamente, no grito igualmente
desesperado de Lennon em “Yer Blues”: “My father was of the sky / my mother was
of the Earth / but I’m from the Universe / and you know what it’s worth”. Poetas de uma época em que o Futuro e o
Universo estão mesmo no cerne de cada tragédia e de cada paixão.
[Fonte:
mundofantasmo.blogspot.com ]
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De SEPHATRAD
(blog de Isac Nunes), 10/07/2017
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