Neste momento em
que o país parece enfrentar não uma crise política, mas sim um apocalipse
zumbi, com hordas se enfrentado nas ruas e nas redes sociais em defesa de
pautas mais confusas que os roteiros do Charlie Kaufman, Como Curar
um Fanático chega a ser um alento, por nos fazer ver que no mundo
moderno, ainda há pessoas que seguiram o conselho do ET Bilu e buscaram
conhecimento.
O livro, lançado
pela Companhia das Letras, com tradução de Paulo Geiger, é uma coletânea de
palestras e ensaios escritos pelo israelense Amós Oz (A Caixa Preta, Judas,
etc) ao longo dos últimos anos. “Em louvor às penínsulas” é a transcrição do
discurso que ele proferiu na manhã seguinte aos ataques terroristas na França,
no final de 2015. Já “Como curar um fanático” e “Entre o certo e o certo” são
ensaios que discutem os conflitos entre Israel e Palestina. Há também um artigo
sobre o Acordo de Genebra publicado originalmente em 2003 e o livro fecha com
uma entrevista curtinha em que o autor fala um pouco sobre seus posicionamentos
diante dos conflitos na Faixa de Gaza.
Amós Oz sugere
dois antídotos contra o fanatismo, o humor e a curiosidade: “Fanáticos não têm
senso de humor, e raramente são curiosos. Porque o humor corrói as bases do
fanatismo, e a curiosidade agride o fanatismo ao trazer à baila o risco da
aventura, questionando, e às vezes até descobrindo que suas próprias respostas
estão erradas”. E aí o autor parte para uma reflexão muito interessante a
respeito do papel da literatura diante das situações de conflitos, pois através
da arte teríamos uma oportunidade de criar empatia, de enfim se colocar na pelo
do outro (do inimigo, até) e tentar perceber as coisas sob uma perspectiva
diferente. Ele não quer dizer com isso que um romance seria ingenuamente a
salvação da humanidade e nos livraria do Estado Islâmico, mas sim que a ficção,
por nos permitir novos olhares, mais contidos e reflexivos, talvez nos torne
seres humanos menos intolerantes.
O escritor
acredita que aquilo que chama de “infantilização da sociedade” e sua relação
com o consumo, decorrente da globalização, substituiu conceitos do século
passado que eram calcados na ideia de que “amanhã será um dia melhor – façamos
sacrifícios hoje”. Isso tudo, segundo Oz, foi substituído pelo desejo imediato,
pela ilusão da felicidade plena aqui e agora. Como esta felicidade se tornou um
angustiante imperativo, temos então a essência do fanatismo: o desejo de forçar
outras pessoas a mudar. “O fanático está mais interessado em você do que nele mesmo,
pela muito simples razão de que o fanático tem muito pouco de ‘ele mesmo’, ou
nenhum ‘ele mesmo’”.
Ao demonstrar que
o fanático é uma pessoa que prefere sentir, a pensar, o autor fala sobre uma
conversa de um amigo com um motorista judeu que dizia ser imprescindível para o
seu povo que todos os árabes fossem assassinados. Diante de tal afirmação, o
amigo que conversava com esse motorista argumentou: “OK, suponha que você seja
designado para algum bloco de residência em sua cidade, Haifa, e você vai bater
de porta em porta e perguntar: ‘Perdão, senhor, com licença, senhora, por acaso
o senhor / a senhora é árabe?’. E se a resposta for sim, você atira nele /nela.
Aí você termina o serviço e está pronto para ir pra casa, mas assim que se
vira, você ouve em algum lugar num quarto andar de seu bloco o choro de um
bebê. Você voltaria para atirar no bebê?”.
Há muito tempo
Amós Oz reflete sobre os conflitos entre Israel e Palestina e, geralmente, ele
resume a situação como sendo trágica porque se trata do lado certo lutando
contra o lado certo, uma vez que os dois países têm razões perfeitamente
aceitáveis para querer a posse daquelas terras. Portanto, a luta pela paz não
tem nada de pombinhas brancas e mensagens edificantes, a visão romântica cai
por terra justamente por causa desse tipo de paradoxo, que demonstra que uma
guerra é muito mais complexa do que bonzinhos VS malvadinhos. O autor deixa bem
claro o seu posicionamento a respeito desta questão, ao jogar no colo da Europa
a responsabilidade por tornar esse conflito tão complicado: “A Europa, que
colonizou o mundo árabe, explorou-o, humilhou-o, tripudiou sobre a sua cultura,
controlou-o e usou-o como playground imperialista, é a mesma
Europa que discriminou judeus, perseguiu-os, atormentou-os e por fim assassinou-os
em massa num crime de genocídio sem precedentes”.
O único problema
do livro é a repetição, já que várias ideias e até mesmo algumas frases
inteiras se repetem ao longo dos diferentes discursos. Mas isso é quase
insignificante, diante da magnitude das ideias e reflexões que a obra nos
proporciona.
Num mundo em que
as pessoas andam armadas com certezas e verdades absolutas (ideias prontas que
são apenas compartilhadas num rápido clique, já que foram moldadas por outras
pessoas – o fanático não pensa por si mesmo – para corroborar um determinado
discurso ideológico), é absolutamente necessário ler um escritor que propõe nos
colocarmos no lugar do outro, não para o mudar e nem para odiá-lo, mas sim para
tentar compreendê-lo: “Mesmo quando se está 100% certo e o outro 100% errado,
ainda é proveitoso pensar sobre o assunto”.
[Fonte: www.aescotilha.com.br]
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De SEPHATRAD
(blog de Isac Nunes), 29/03/2016
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