MATIAS SPEKTOR
Evo Morales
perdeu nesta semana a luta pelo quarto mandato, seu primeiro fracasso eleitoral
em dez anos. O jogo boliviano mudou, e seu impacto será sentido no Brasil.
Evo chegou ao
poder na esteira de uma onda de protestos a favor da nacionalização das
reservas de gás natural. De olho na consolidação de sua autoridade, expropriou
a Petrobras, vista por sua base de apoio como uma predatória empresa
multinacional.
Em nenhum
momento, porém, Evo concebeu uma ruptura com o Brasil. Sua retórica
nacionalista era exaltada e seus vaivéns levavam o Planalto à exasperação, mas
ele indenizou a empresa e prometeu negócios polpudos.
Lula optou por
não antagonizar o vizinho, mantendo as comunicações desimpedidas e tentando
maior aproximação, embora Evo hesitasse, atrasando ou resistindo ao pedido
brasileiro de cooperação.
Lula agiu assim
em parte por afinidade ideológica, mas acima de tudo por realismo. Evo era um
dínamo, expandindo seu domínio eleitoral apesar de sucessivos protestos
violentos. Depois de um grave confronto com as Províncias de oposição, Evo
conseguiu dobrá-las. No processo, jogou para a plateia, expulsando diplomatas
americanos ao mesmo tempo em que, nos bastidores, negociava com Washington sem
parar.
A força dele
vinha do crescimento anual de 5%, com queda da pobreza e do analfabetismo,
aumento do consumo e do gasto público. Evo terminou abocanhando o apoio dos
pobres e da elite empresarial.
Nesses anos, Evo
jorrou dinheiro nas Forças Armadas e na polícia, foi duro com os sindicatos e
reprimiu protestos indígenas. Hoje proliferam contra seu governo denúncias de
autoritarismo, tráfico de influência e corrupção.
A derrota desta
semana vem acompanhada de deterioração do ambiente econômico. Com ou sem ele, o
ciclo positivo da Bolívia parece terminar.
Isso afetará o
Brasil. Dividimos 3.400 km de fronteira porosa, onde sobram problemas de
circulação de gente, contrabando, narcotráfico, posse de terras, pragas e
doenças que afetam nossa produção de gado e soja. Além disso, a Bolívia ainda
pode ser manchete do petrolão.
Nesses dez anos,
a relação com Evo foi vitrine do melhor e do pior da diplomacia brasileira. A
embaixada brasileira em La Paz fez trabalho primoroso quando havia interesses e
vidas brasileiras em risco. No entanto, foi lá que amargamos o maior desastre
dos últimos tempos, quando a ausência de mecanismos eficientes de gestão de
crise, em Brasília, fez de um senador boliviano motivo de perigosa e
desnecessária fricção.
Tirar lições
desse passado é fundamental para que o Brasil possa gerir a relação durante o
que resta do mandato de Evo e o que virá.
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De FOLHA DE SAO
PAULO, 25/02/2016
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