A ministra-chefe da Secretaria
Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou nesta quinta-feira que
a Comissão da Verdade a ser brevemente constituída deverá apurar o relato de
que corpos de militantes políticos mortos pela ditadura militar em São Paulo e
no Rio de Janeiro foram incinerados num grande forno de uma fazenda situada no
interior do Estado do Rio.
A informação consta no livro Memórias
de uma Guerra Suja (Editora Topbooks), dos jornalistas Marcelo Netto e
Rogério Medeiros, que reúne um estarrecedor conjunto de depoimentos do
ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo Cláudio Guerra. Segundo uma das
inúmeras informações novas que Guerra traz à luz, dez corpos de militantes que
atuaram nos anos de chumbo foram levados para desaparecerem de vez à Usina
Cambahyba, que pertencia ao ex-vice governador biônico do Rio, Heli Ribeiro
Gomes.
A presidente Dilma, ex-presa política
e ex-torturada, já tem em mãos um exemplar do livro.
Os primeiros detalhes do livro foram
trazidos à luz pelo reporter Tales Faria, do portal iG.
Um de seus textos é o que segue:
Ele lançou bombas por todo o país e
participou, em 1981 no Rio de Janeiro, do atentado contra o show do 1º de Maio
no Pavilhão do Riocentro. Esteve envolvido no assassinato de aproximadamente
uma centena de pessoas durante a ditadura militar. Trata-se de um delegado capixaba
que herdou os subordinados do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury nas
forças de resistência violenta à redemocratização do Brasil.
Apesar disso, o nome de Cláudio
Guerra nunca esteve em listas de entidades de defesa dos direitos humanos. Mas
com o lançamento do livro Memórias de uma Guerra Suja, que acaba de ser
editado, esse ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)
entrará para a história como um dos principais terroristas de direita que já
existiu no País.
Mais do que esse novo personagem, o
depoimento recolhido pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, ao
longo dos últimos dois anos, traz revelações bombásticas sobre alguns dos
acontecimentos mais marcantes das décadas de 70 e 80.
Revelações sobre o próprio caso do
Riocentro; o assassinato do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982; a
morte do delegado Fleury; a aproximação entre o crime organizado e setores
militares na luta para manter a repressão; e dos nomes de alguns dos
financiadores privados das ações do terrorismo de Estado que se estabeleceu
naquele período.
A reportagem do iG teve acesso ao
livro, editado pela Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é impressionante. Tão
detalhado e objetivo que tem tudo para se tornar um dos roteiros de trabalho da
Comissão da verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre
1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).
David Capistrano, Massena, Kucinski e
outros cujos corpor foram incinerados
Cláudio Guerra conta, por exemplo,
como incinerou os corpos de dez presos políticos numa usina de açúcar do norte
Estado do Rio de Janeiro. Corpos que nunca mais serão encontrados – conforme
ele testemunha – de militantes de esquerda que foram torturados barbaramente.
“Em determinado momento da guerra
contra os adversários do regime passamos a discutir o que fazer com os corpos
dos eliminados na luta clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos
ter um plano. Embora a imprensa estivesse sob censura, havia resistência
interna e no exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes.”
Os dez presos cujos corpos foram
queimados
– João Batista e Joaquim Pires
Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
– Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, “a
mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido
violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”;
– David Capistrano (“lhe haviam
arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio
Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
– Fernando Augusto Santa Cruz
Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista
(APML).
O delegado lembrou do
ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro, proprietário da usina de
açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos, a quem ele fornecia armas
regularmente para combater os sem-terra da região. Heli Ribeiro, segundo conta,
“faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse o poder no
Brasil”.
Cláudio Guerra revelou a amizade com
o dono da usina para seus superiores: o coronel da cavalaria do Exército
Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava para o Serviço Nacional de Informações
(SNI), e o comandante da Marinha Antônio Vieira, que atuava no Centro de
Informações da Marinha (Cenimar).
Afirma que levou, então, os dois
comandantes até a fazenda:
“O local foi aprovado. O forno da
usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas qualquer vestígio humano.”
“A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios
dos militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade
econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal
da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros
benefícios que o Estado poderia prestar.”
Publicado en VEJA, 03/05/2012
Imagen: Portada del libro Memórias de uma Guerra Suja
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