Friday, May 27, 2016

TONINHO FERRAGUTTI: DOS PENSAMENTOS E LINHAS MELÓDICAS DE UM CHORO IMPROVISADO, NASCE O GRANDE ACORDEONISTA DA MÚSICA BRASILEIRA

BRUNO GUAZINA

Um bate-papo para lá de descontraído, com direito a um cafezinho passado na hora, muitas histórias e risadas com o mestre do acordeon brasileiro.

Soundcheck: Você tem noção da sua importância para a música brasileira?
Ferragutti: 
Até tenho um pouco, mas no dia a dia tão corrido de um artista, vamos dizer, pequeno, que precisa se preocupar com muitas coisas, como a produção, com os próximos passos, estudando… mas, acredito que seja uma falta de percepção minha, mesmo.

Talvez, se eu tivesse isso mais claro, daria um pouco mais de alento. Não tenho compromisso com isso, gosto de fazer as coisas com jeito e bem feito… posso até te dizer que seja, vamos dizer que, uma certa irresponsabilidade, mas no fundo você começa a perceber que vai tendo uma coerência, por que me da vontade de fazer e tendo condições para que eu faça, eu vou lá e faço.

“A minha preocupação é com outras coisas, básicas,
como a falta de educação… coisas assim”

Eu só faço o que eu gosto, mas fico muito alegre se as pessoas também gostam. Quando eu falo que faço só o que eu gosto, parece que é uma coisa egoísta, mas vou achando uma medida do que eu gosto e do que as pessoas vão gostar.

Mas eu não deixo de fazer o que gosto pela possibilidade de as pessoas não gostarem. Faço o que gosto, mas tenho muita fé e quero muito que as pessoas gostem. Eu preciso disso também!

Soundcheck: O que você fez durante a sua carreira para ser o Ferraguti, referência no acordeon brasileiro?
Ferragutti: 
Não sei… eu sou conhecido mais no meio musical, não participo do grande público. Mas são 30 anos de trabalho, tocando com muita gente… e as coisas foram caminhando para um trabalho próprio.

A música instrumental, tem o lugar dela e eu sempre separei bem a minha carreira como músico, como compositor e como instrumentista que toca com vários artistas.
Sempre tive isso muito claro, são circuitos diferentes e sempre gostei de gravar minhas coisas. Sempre soube que a música instrumental é a minha linguagem e cada vez mais, estou entendendo isso.

Soundcheck: Você sente que o mercado da música instrumental é muito diferente dos demais?
Ferragutti:
 Tem público, pode ser mais difícil, mas não é impossível e é aí que eu me situo. Ainda não temos circuito suficiente para todos estarem presente de forma igualitária.

Você tem que ser bom músico, bom produtor, estar cercado de pessoas que gostam e acreditam no seu trabalho, mas cada vez mais é preciso um olhar mais generoso por parte da cultura, um olhar mais generoso das políticas culturais, para que possamos ter mais espaço e sermos mais acolhido… por que diariamente é uma briga de leões.

Você tem que viabilizar de alguma maneira e os espaços são poucos. Precisamos de um circuito independente, os bares, espaços onde você possa tocar e que tenha uma vida pulsante lançando novos trabalhos.

Soundcheck: Onde tudo começou?
Ferragutti:
 Sou do interior de São Paulo, de uma cidade chamada Socorro. Meu pai, Pedro Ferragutti, era músico, saxofonista, compositor de choro, valsa… arranjador e por aí em diante. E por ser descendente de Italianos, em casa, sempre tive um contato muito próximo com a música.

Até que em um certo dia, pedi para meu pai e ele me colocou para tocar sanfona. Fiz um pouco de aulas com a Dona Ondina, uma professora da cidade e depois com um outro professor que dava aulas em toda a região e que passava toda a semana por lá. E assim, fui começando a tocar nas rodas de choro, bailes… e meu pai sempre me incentivando estudar todos os dias.

Soundcheck: Nessa época, o que você escutava que te influenciou?
Ferragutti:
 Ouvia muitas coisas! Era época da Jovem Guarda, Bossa Nova… meu pai odiava aquilo, não deixava nem entrar em casa, Roberto Carlos então, que minhas irmãs adoravam, meu pai odiava. (risos)

Mas eu ouvia todo tipo de música, popular, choro, erudito… os cantores da época, como o Carlos Galhardo e tantos outros!

Soundcheck: Você já tinha objetivos de se tornar um dia um músico profissional?
Ferragutti:
 Eu não tinha ideia do que era ser um músico profissional e como todo mundo na minha idade, fui fazer um cursinho e na sequência passei para veterinária na UNESP de Botucatu e fui pra lá.

Uma cidade universitária, com tradição na música, diversos compositores… comecei a perceber uma certa valorização e que tinha algo diferente naquela região.

Até que um dia, em uma das minhas idas a São Paulo, vi o Oswaldinho do Acordeon, tocando e cai na alma dele, até ele me indicar um professor, o Dante D’Alonso, que comecei a estudar com ele em São Paulo.

Já tocava na noite de Botucatu e região, e aos sábados vinha, logo cedo, para São Paulo, fazer as aulas com o Dante e voltava no mesmo dia para tocar. Vinha contente da vida, foi assim durante um bom tempo!

Soundcheck: Foi em Botucatu que você se tornou músico profissional?
Ferragutti:
 Nessa época em Botucatu, eu já recebia pelo que fazia, mais ainda não tinha uma visão muito ampla, eu era muito cru!

Acabei saindo da faculdade, antes mesmo de terminar o curso e vim embora para São Paulo, isso em 82. Foi quando vi o que é ser um músico profissional tocando na noite por aqui.

Soundcheck: Quais as suas motivações para fazer uma música tão rica?
Ferragutti:
 Eu sempre fui muito seduzido pela música e queria ser um bom músico, sempre quis ser um bom profissional.

Você vai trabalhar, vai gravar, vamos dizer que uma música sertaneja, choro, forro… em qualquer estilo você tem que se desenvolver bem, ter um repertório e se comportar bem como músico.

Mas, claro, isso é muito ilusório! Achar que você vai tocar ou toca tudo bem, é uma grande ilusão. Mas é um aspecto da música que me seduz.

Com os festivais de jazz de São Paulo, da TV Cultura, isso em 78, 79, vi toda essa galera tocando, o Hermeto Pascoal, o Egberto Gismonti… e ficava me perguntando: quer dizer que isso existe, pode ser feito assim?! Aquilo foi uminsite muito poderoso, que abriu minha cabeça para um novo mundo.

Soundcheck: Qual o gênero musical que mais te influenciou?
Ferragutti:
 O gênero que mais me influenciou foi o choro, embora não seja um “chorão”. Pelo tipo de pensamento, pela linha melódica…. O choro é uma escola poderosíssima, com um caldo extremamente rico.

O choro tem várias linhas, tem o mais tradicional, alguns que usa o gênero como um trampolim para fazer outras coisas, onde acredito que talvez me inclua. Mas vamos dizer, que eu bebo muita dessa fonte.

Mas acho que, hoje, eu mais me aproximo do instrumental brasileiro que tem influências dessas várias fontes… é por aí que eu vou. Hoje minha música carrega diversas influências. Trabalhei recentemente com musica de câmara, quinteto de cordas, agora voltei a fazer com guitarra, baixo, bateria…

Soundcheck: De onde vem essa peculiaridade toda da sua música?
Ferragutti:
 Não sei de onde vem, mas acho que essa coisa da origem italiana, essa linha melódica… vem de longe, está no sangue!

Gosto dos traços melódicos do Nino RotaEnnio Morricone… e acho que venho daí, sabia? Não é que eu ouço, ou seja fã, mas gosto e aquilo me emociona. As vezes vejo meu perfil melódico bem próximo… rapaz, deve ser da minha descendência italiana, mesmo. É impressionante!

Soundcheck: Durante esses vários momentos na sua carreira, o que mais você escutou que acrescentou para sua música?
Ferragutti:
 Em casa, ainda em Socorro, não se ouvia esses grandes compositores, ouvíamos mais os cantores italianos dos grandes festivais no meio do bololo da música brasileira.

Em Botucatu, o primeiro impacto foi escutar Laércio de Freitas… foi quando me perguntei: é possível tocar assim?!

Depois, tive algumas paixões, com o disco “Amoroso” do João Gilberto, que me deixou maravilhado com aqueles arranjos… na sequência Tom JobimPaulo MouraJacob do BandolimJames Taylor… essas foram algumas das minhas paixões.

Aqui em São Paulo, DominguinhosLuiz Gonzaga… foi quando comecei a escutar, mais, sanfoneiros e me encantei pelo forró.

Soundcheck: Quais as suas pretensões para o futuro?
Ferragutti: 
Eu e a maioria dos meus colegas, com um perfil musical próximo ao meu, buscamos estar, realmente, no mercado. Inseridos em um circuito que permita se dedicar cada vez mais a música e que possibilite termos mais lançamentos para podermos nos expressarmos com maior facilidade em um mercado mais maduro.

Soundcheck: Conte um pouco sobre esse disco, “A gata Café” que acabou de sair do forno.
Ferragutti:
 Esse disco é um disco autoral com algumas regravações, com músicas que eu compus no começo da década de 90 e dois choros que são muito significativos para mim, o “Chapéu palheta” e o “O mancebo”, músicas com muitas influências de um choro improvisado, que é onde gosto muito de me situar, entre o tradicional e uma leitura jazzística, sem pender para nenhum lado.

E músicas novas que já apontam para uma outra direção, que talvez esteja seguindo agora e com um grupo de músicos que são muito representativos, ainda mais para essa nova geração dos trinta e poucos anos. Músicos que sabem muito bem o que querem e com uma cabeça de instrumentistas, alta performance e ao mesmo tempo, muito ligados na produção, nas mídias e vinculação de seus próprios trabalhos e que são ícones de cada instrumento, caso do Tiago Espirito Santo (baixo elétrico), Vinícius Gomes (guitarra e violão), Cléber Almeida(bateria) e Cássio Ferreira (saxofone).

Para mim é uma honra apresentar esse trabalho junto com eles, estou muito contente com o resultado. Foi um disco gravado todo mundo junto no estúdio, o quinteto tocando ao vivo… uma forma que eu gosto de trabalhar.

Esse é meu décimo disco, um disco que acredito representar bastante o caminho que eu estou querendo seguir.

Ferragutti, muito obrigado por nos receber em sua residência para bater esse papo e pelo disco, maravilhoso, que já faz parte da minha playlits. Vlw


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De SOUNDCHECK, 20/05/2016

Fotografías: 1- Toninho Ferragutti, 2- Portada de su último disco

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